Veio com a carga genética para o ser, mas o meio em que cresceu não contribuiu com a percentagem necessária.Não interessa...não fez mal, pois por dentro, ela era-o.
Ora, o trabalho dos artistas é criar e ela efectivamente criava aquilo que lhe fazia falta no quotidiano: em três tempos, com tábuas velhas e arames enfurrejados, construia um galinheiro; com meia dúzia de chapas de zinco amolgadas fazia um telheiro e um dia surgiu uma tenda a partir de um guarda-sol, com uma saia comprida a toda a volta. Havia ainda belos assados e guisados(nos quais nunca faltavam os grãos de cravinho) e as finíssimas batatas fritas às rodelas, cuja fritura lhe ocupava os serões em vésperas de passeios em família ou excursões de camioneta.
Grandes obras!
Contudo, a meu ver, foi já a partir dos 70 anos que algo nela se aprimorou, ou então talvez tenha sido o facto de ter mais tempo para si...e menos sono!
Nessa década dedicou-se entusiasticamente a juntar e coser trapinhos. Com eles fazia mantas e almofadas, tapetes e cobertas.
Na altura vivia sózinha e acredito que terá passado longas e felizes noitadas na companhia de roupas velhas, da tesoura e da máquina Singer a pedal. Não precisava de mais nada para a sua arte. Não, engano-me! Havia outra coisa presente: o gosto pelo que criava!
Por toda a herança de trapinhos, pelas memórias que nos deixou e pelo afecto que continua a unir-nos:
Manta de Verão feita à mão pela Avó |