Na Semana Santa demos uma voltinha pela Beira Baixa. Embora seja aqui tão perto, a paisagem muda logo de cara, veste-se de pedra e os povoados aconchegam-se ao colo das serranias.
Vê-se gente por estas bandas, mas só porque estamos na Páscoa. Vieram os filhos, os sobrinhos, os primos e os turistas, mas na Segunda-feira vão todos de debandada e deixam as terras caladas e quase vazias; ficam só os mais velhos.
Em Penha Garcia (Freguesia de Idanha-a-Nova), enquanto subíamos uma ladeira calcetada, conhecemos a Dª Cândida Maria.
Vergada, raspava com uma faca as ervas daninhas da frente do seu portão.
-Bom dia!, cumprimentámos
-Bom dia...-ergueu-se para olhar quem falava.- Os senhores querem ver o meu artesanato?! - perguntou de rompante. -Querem? Vou ali dentro num instantinho buscar!
Estancámos o passo e hesitámos. - Deixe estar...
-Eu vou lá para os senhores verem, eu vou lá...
Foi e voltou com esta caixinha. As suas bonecas de trapo, de lã, os seus saquinhos de cheiro e as suas pregadeiras.
-Então, e não põe as suas coisas à venda numa loja?
-Já pus uma manta que fiz. Pedi quarenta contos por ela, para dar dez a cada filho...Sabe o que eles lá fizeram?
-O quê?- quisémos saber.
-Puseram-na a vender a oitenta! Queriam ganhar tanto como eu, sem terem trabalho nenhum. Isso não, nunca mais! Só vendo aqui à porta, às pessoas que passam.
-E quantos anos me dão?- desafiou-nos.
-Não sei, oitenta e tal, talvez.
-Noventa e sete, menina. Noventa e sete... Já oiço é muito mal!
Admirados, escolhemos as nossas recordações, pagámos à Dª Cândida -que conferiu bem o dinheiro-demos um beijinho e lá continuámos ladeira acima, comigo a pensar que quando tiver 97 anos hei-de ser assim parecida!